quarta-feira, 31 de março de 2010

Comunidades Alternativas

Assisti essa madrugada o filme Knightriders (Cavaleiros de Aço – 1981). Trinta anos depois da estréia o filme de George Romeros, aclamado como o rei dos filmes de Zumbi e idolatrado pelo seu Night of the living dead (A noite dos mortos vivos – 1968), continua com fôlego. O filme retrata o cotidiano de uma trupe de artistas e motoqueiros que viaja pelo interior dos Estados Unidos e, aos moldes do imaginário que sustenta a medievalidade européia, organizam justas entre cavaleiros recheadas de espadas, machados de guerra, porretes, lanças e no lugar dos cavalos as motos. Concordo que o filme tem uma estética pra lá de esquisita com os heróis vestindo calças coladas e motos cobertas de isopor e purpurina. Também são estranhíssimas, embora divertidas, as referências a personagens clássicos do imaginário medieval, assim como o acúmulo de clichês desta tradição: o rei traído por sua amada e seu fiel protetor, o frade perdido na gula e no sexo, os trovadores bizarros e o inimigo que se redime ao final. Mas o retrato que me parece pintado não é esse. Embora ambientado em um locus supostamente surreal e icônico o filme se revela surpreendente quando vemos nele a preocupação de Romeros com a América do fim dos anos 70 e início dos anos 80 do século XX. O sonho de viver em comunidades alternativas fazendo água e a tal economia de mercado solapando os sonhos de uma vida simples, livre e alternativa. A trama se desenrola em torno de uma proposta feita por redes de televisão ao grupo de artistas para se tornarem astros de uma série de TV. Parte do grupo aceita e se dirige à cidade que representa a nova América e outra parte fiel ao rei, (belissimamente interpretado por Ed Harris que, aliás, salva a interpretação de atores no filme) permanece na espera, no campo, representando a manutenção do sonho idílico da vida conforme a natureza das coisas. O périplo dos heróis dialoga diretamente com essa transformação americana, policiais corruptos, maconha, advogados, contratos televisivos, imprensa, homossexualismo e o amor a pátria. É ai que está o fôlego do filme. Lá pelo final George Romeros deixa clara sua visão deste mundo em transformação. Derrotado por um vilão redimido que não encontra sentido na nova América, mas que não perdeu as esperanças de colocar sua trupe num mundo menos medieval e, portanto menos romântico o rei parte em uma última missão. Acompanhado de um último escudeiro (um índio americano. E não poderia ser diferente já que é esse o sentido do filme) invade a escola que estuda seu filho, interrompe um juramento à bandeira americana, ensaiada com os alunos pela professora, e entrega suas armas e brasões ao filho. O juramento à bandeira é esquecido e os alunos rodeiam o pequeno novo herói. Fica a impressão de ainda restar uma esperança para América nas mãos de uma nova geração que ainda não se perdeu. O filme é bizarro, mas o que não era bizarro nos anos oitenta?

Um comentário:

  1. outro dia me lembrava "um morto muito louco" "os fantasmas se divertem" "te pego la fora"e cheguei a conclusão que as comédias são tão diferentes das de hoje, o absurdo,um roteiro,muito mais que comédias sobre sexo que surgem por ai.nostalgicos anos...

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